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Mas nunca senti problemas de consciência por isso, porque manifestei sempre toda a disponibilidade para colaborar»,
afirmou António de Ramalho Eanes ao Expresso há umas semanas... Confesso que não apreciava o General Ramalho Eanes. Aliás a minha antipatia era proporcional à simpatia que nutro por (ou pelo mito de) Francisco Sá Carneiro. Um admirador de Sá Carneiro não esquece que quando morreu em Camarate o primeiro-ministro deslocava-se ao Porto para dizer no comicio o que já tinha dito noutros palcos, que se demitia se Ramalho Eanes ganhasse a reeleição. E se Sá Carneiro não o apreciava, eu também não tinha de o apreciar. O primeiro-ministro morreu à quinta-feira e no domingo as eleições não foram desmarcadas? Está mal. Isto sempre me pareceu uma falta de respeito imensa. Depois disso veio o episódio do PRD. Um presidente que funda um partido político (entendia eu) é um ressaibiado. E o resultado só podia ser o que deu. Da infância tenho memórias dos tempos de antena do general que não se ri.
Aprendi a admirar Ramalho Eanes na mesma proporção com que me fui apercebendo da importância que o 25 de Novembro teve para a democracia portuguesa. E o 25 de Novembro (a verdadeira fundação democrática) deve-se a Ramalho Eanes. à sua capacidade de gestão de contrários, à sua honestidade pessoal e intelectual. Ao poucos também me apercebi que ter Ramalho Eanes como Presidente da República, em 1976, significou evitar que Otelo Saraiva de Carvalho o tivesse sido. E ter um assassino na chefia do Estado seria muito pior que ter um fulano que foi para o alto alentejo no tejadilho do carro em pose heroica e quixotesca.
Aprendi depois que Sá Carneiro nada tinha contra o General, mas contra aquilo que ele personificava: o Conselho da Revolução, a supremacia do militar sobre o político, da hierarquia sobre a democracia. Não sabemos o que teria acontecido se Sá Carneiro não tivesse morrido, mas a verdade é que na primeira oportunidade, em 1982, foi (também) pela mão de Ramalho Eanes que a constituição acabou com o Conselho da Revolução, exactamente o que Sá Carneiro delineava no seu projecto político.
Saber que Ramalho Eanes se deu mal com Soares e com Balsemão (o Berlusconi português) também valeu pontos a seu favor, assim como o facto de ter recusado o bastão de Marechal das Forças Armadas. Por falha da sua parte também se deve ao seu PRD a primeira maioria absoluta de Cavaco.
Aprendi a apreciar Ramalho Eanes e é com pena que leio uma entrevista onde o homem se afirma desaproveitado. Apesar de haver muitas coisas que diz e com as quais discordo. Sentir-se desaproveitado é notoriamente diferente de ser afirmar inutil ou ostracizado. É dizer que tem para dar e não lho pedem. E deviam pedir até porque ele continua a usufruir das regalias que o Estado Português presta aos antigos Chefes de Estado.
Talvez tenha feito mal em não ter criado uma fundação com o seu nome e continuar a estorquir o Estado e uma eventual Câmara onde o seu filho seja autarca. Preferiu ir fazer um doutoramento. Não mais um, não um honoris causa, um doutoramento a sério. Sobre uma coisa que conhece bem: o 25 de Novembro e a Democracia.
«Ninguém escreve ao Coronel (General neste caso)» ou «O General em seu labirinte», de Garcia Marques... dois bons livres para António Ramalho Eanes.
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