quarta-feira, 7 de maio de 2008

Mercurii dies

[514.]

Infoética Ética na comunicação social

Publicamos na presente edição do Jornal da Mealhada, nesta mesma página, nos termos da lei, uma vez mais, o Estatuto Editorial do Jornal da Mealhada. Trata-se de uma declaração na qual se pretende que estejam definidos, claramente, a orientação e os objectivos deste órgão de comunicação social e, ainda, o compromisso de assegurar o respeito pelos princípios deontológicos e pela ética profissional dos jornalistas, assim como pela boa fé dos leitores. A Lei de Imprensa estabelece também que este estatuto — leia-se declaração e compromisso — seja publicado uma vez por ano civil.
A informação e os meios de comunicação social no concelho da Mealhada sofreram uma alteração profunda nos últimos anos com o nascimento de um mercado concorrencial. A existência de duas empresas, que produzem um produto similar, mas que disputam o mesmo mercado, trouxe alterações económicas profundas — o preço da publicidade, por exemplo, desceu astronomicamente. Mas a concorrência fez-se sentir, também, ao nível do critério editorial. Há informações que têm hoje o estatuto de notícia, e que, há algum tempo, não o tinham.
O sistema concorrencial provocou no concelho da Mealhada uma espécie de sobrevalorização do papel dos jornais na comunidade dos munícipes e naturais do concelho da Mealhada. Se numa fase anterior os jornais já serviam como uma espécie de provedoria dos problemas das pessoas, hoje, para além disso, transformaram-se, também numa espécie de receptáculo de difamações anónimas. São várias as cartas e e-mails anónimos que todas as semanas chegam à redacção do Jornal da Mealhada.
E, ao nível do funcionamento do aparelho político concelhio, os jornais ganharam um estatuto perigoso. Dizemos perigoso porque não foi, como os órgãos autárquicos, sufragado pela população. No concelho da Mealhada, os partidos e alguns titulares de cargos políticos serviram-se dos jornais durante largo tempo para adquirir protagonismo e notoriedade. Muitos deles, no reverso da medalha, acabaram por sair feridos com a situação. Exemplo disso é a importância informativa que ganharam, nos últimos trinta meses, as reuniões públicas da Câmara Municipal da Mealhada. Como num círculo vicioso, nessas reuniões a oposição passou a fomentar factos políticos para atrair os jornalistas, os quais, por sua vez, passaram a participar nessas reuniões por causa desses mesmos factos políticos. Outro exemplo é o caso de propostas políticas que chegam primeiro às redacções dos jornais do que a quem de direito.
Este assunto — a definição de critérios jornalísticos, a legitimidade e a qualidade das fontes de informação, a importância relativa dos acontecimentos, a impermeabilidade da nossa acção a influências externas — tem-nos preocupado e, por isso, temos procurado fazer, e continuaremos nesse caminho, uma reflexão sobre o assunto e uma auto-avaliação profunda do nosso trabalho jornalístico. Acreditamos, firmemente, que a seriedade, a independência e o rigor na transmissão da informação compensam. Reconhecemos, porém, com tristeza, que, por vezes, temos caído em tentação.

No âmbito do 42.º Dia Mundial das Comunicações Sociais, Joseph Ratzinger, que, mesmo na qualidade de Bento XVI, é um filósofo de excepção, produziu um texto a propósito do tema com o título: “Os meios de comunicação social: na encruzilhada entre protagonismo e serviço. Procurar a Verdade para compartilhá-la”.
No texto, que, independentemente de questões religiosas, é um trabalho cientifico, Bento XVI reconhece que não existe nenhuma área da experiência humana, sobretudo se enquadrada no vasto fenómeno da globalização, onde os média não se tenham tornado parte constitutiva das relações interpessoais e dos processos sociais, económicos, políticos e religiosos. Como exemplo é atribuída à comunicação social uma contribuição decisiva para a alfabetização e a socialização, como também para o avanço da democracia e do diálogo entre os povos. Sem a sua contribuição, seria verdadeiramente difícil favorecer e melhorar a compreensão entre as nações, conferir uma dimensão universal aos diálogos de paz, garantir ao homem o bem primário da informação, assegurando, ao mesmo tempo, a livre circulação de pensamento a bem, nomeadamente, dos ideais de solidariedade e justiça social.
“Hoje, de modo cada vez mais acentuado, a comunicação parece às vezes ter a pretensão não só de apresentar a realidade, mas também de a determinar graças à capacidade e força de sugestão que possui. Constata-se, por exemplo, que em certos casos os média são utilizados, não para um correcto serviço de informação, mas para ‘criar’ os próprios acontecimentos”, afirma ainda o Papa. O Pontífice classifica o papel que os instrumentos de comunicação social assumiram na sociedade como parte integrante da questão antropológica, como desafio crucial do terceiro milénio.
Preocupados com o assunto, como nós estamos, aceitamos e subscrevemos, com expectativa, a sugestão de Ratzinger de promover a criação, estudo e desenvolvimento de uma infoética, para a área da informação, tal como existe a bioética para o campo da medicina e da pesquisa científica relacionada com a vida.

Editorial do Jornal da Mealhada de 7 de Maio de 2008

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