quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Mercurii dies

[586.]
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Começou o ano lectivo, sem atribulações (de maior)
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Assinalou-se na segunda-feira, 15 de Setembro, o início das actividades lectivas de mais um ano escolar. Sem os sobressaltos de anos anteriores, sem problemas com a colocação de professores, sem grande contestação quanto ao encerramento de escolas, ou sonoras acusações de falta de condições, o ano começou com aparente tranquilidade.
No mesmo dia, 15 de Setembro, eram oficialmente conhecidas as colocações dos alunos candidatos ao ensino superior. E também aqui os resultados foram positivos. Dois em cada três cursos ficaram com as vagas totalmente preenchidas, nesta primeira fase de candidaturas, e oitenta e quatro por cento dos alunos candidatos ficaram colocados. Mais cinco por cento que no ano anterior.
Até mesmo o Presidente da República, que passou a semana em fogo cruzado com o Governo, facto sem precedentes na relação Cavaco – Sócrates, veio a terreiro elogiar o trabalho desenvolvido pela equipa de Maria de Lurdes Rodrigues, a ministra da Educação.

Na sexta-feira, 12 de Setembro, Dia do Diploma, José Sócrates, na cerimónia em que distinguia os melhores alunos da Educação Nacional, com diploma e cheque, referia que a escolaridade mínima exigível, etiquetada de obrigatória, se deveria entender do 9.º ao 12.º ano. Também em relação a este assunto o Presidente da República veio mostrar a sua concordância. A medida parece-nos acertada, necessária e urgente, mas merece precaução. Não pelo que daí pode resultar mas, acima de tudo, por tudo aquilo que é preciso fazer antes de a implementar. Referimo-nos, em primeiro lugar, ao princípio da gratuitidade do ensino obrigatório e, depois, ao princípio da liberdade de escolha do estabelecimento de ensino.
Que diferença há entre o final do ensino obrigatório fixado no 9.º ano e fixado no 12.º ano? Será uma questão cultural? Não nos parece. Será que até ao 9.º ano o ensino é básico — essencial, fundamental — e até ao 12.º é secundário — acessório? Também não nos parece, uma vez que até o ensino superior, nos tempos que correm, se revela de elementar importância. Será uma questão de obrigação do Estado em relação ao aluno, quebrando-se esse vínculo obrigacional quando este faz os 15 anos, no caso de o final se situar no 9.º ano, ou quando ele faz os 18 anos, se situar no 12.º ano? Não será só isso. Ou seja, tratar-se-á, acima de tudo, de uma diferença convencional. Mas não deveria ser.
O ensino obrigatório devia ser, realmente, gratuito. Gratuito em relação aos manuais escolares, em relação aos transportes, em relação à alimentação, em relação ao material de que os alunos necessitam para aprenderem, para apreenderem os conhecimentos, as capacidades e as competências que utilizarão na vida. Pode dizer-se que esta concepção é utópica — adjectivação que, em Portugal, é considerada pejorativa. Pode dizer-se que existem sistemas de acção social escolar que impedem que alguém deixe de estudar por falta de dinheiro. Mas, de qualquer forma, só garantindo a gratuitidade se poderá garantir a universalidade, a democraticidade e a viabilidade de um sistema educativo. E garantindo-se que, para cada aluno, o Estado disporia de uma verba que colocava à disposição dele, a pessoa que o desejasse, e tivesse condições para isso, poderia optar pela escola — pública ou privada — que melhor satisfizesse as suas necessidades, expectativas ou exigências. Ficaria a escola pública somente com os alunos carenciados, sem disponibilidade económica para fazer o investimento extra que o ensino privado exigiria? Não nos parece. A diferença entre a escola pública e a escola privada está muito mais nas oportunidades educativas que são dadas aos alunos do que no gasto mensal que cada uma exige às famílias.
Consideramos urgente que a escolaridade mínima obrigatória se estenda até ao 12.º ano, mas consideramos também que, antes disso, deverá haver um claro esclarecimento do que pode o Estado oferecer, e exigir, para que essa medida seja mais do que uma convenção.

O único aspecto que parece ensombrar o início do ano lectivo 2008/2009 é a declaração do órgão executivo da Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP) que contém indicações aos seus associados para que não assinem o protocolo de transferência de competências do Estado em matéria de educação para os municípios. Neste protocolo prevê-se a transferência da responsabilidade pelas infra-estruturas escolares do segundo e terceiro ciclos e do vínculo laboral dos funcionários de acção educativa das escolas dos três ciclos do ensino básico e dos jardins-de-infância.
Mas por que razão aconselha a ANMP a rejeição desse protocolo, que seria assinado directamente entre cada Câmara e o Estado? Em causa está o clássico problema da transferência de verbas a par da transferência de competências — e nem sempre os municípios percebem que o Estado só transfere competências para gastar menos dinheiro, convencido de que os municípios o gastarão melhor. Por outro lado, está em causa um problema legal mais relevante que é o facto de os directores da escola, funcionários do Ministério da Educação, passarem a ter competência, nomeadamente disciplinar, sobre funcionários que agora passam a ser municipais.
A Câmara da Mealhada não foi sensível ao apelo da Associação Nacional de Municípios e aprovou a transferência por unanimidade, na quinta-feira, 11 de Setembro. Ou seja, a partir de 1 de Janeiro de 2009 satisfaz-se uma reivindicação antiga de dirigentes escolares e autárquicos aproximando Portugal de um modelo de gestão da Educação utilizado na Europa Central há muito tempo.

Editorial do Jornal da Mealhada de 17 de Setembro de 2009
Cartoon de henrique Monteiro (http://henricartoon.blogs.sapo.pt/) publicado no Semanário Económico

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