quarta-feira, 4 de novembro de 2009

[880.] Mercuri dies

A escola pública em crise?

Muito se tem falado sobre a escola pública e sobre a necessidade de garantir a qualidade do ensino e a sua democraticidade no sentido de todos a ela terem acesso. Costumamos ouvir a reivindicação de defesa intransigente da escola pública da parte de muitos agentes políticos – alguns deles com os descendentes em escolas privadas – que se opõem à tese da liberdade de opção na qual se defende que o Estado deve apoiar a escolaridade das crianças independentemente de estudarem numa escola pública ou numa escola privada. Seja qual for a nossa posição sobre qual das duas práticas melhor responderia às necessidades do país, a verdade é que consideramos necessário um debate urgente sobre o que se pretende da escola pública em Portugal quando esta se prepara para garantir a formação dos alunos portugueses até ao 12.º ano de escolaridade. Consideramos ser pedagogicamente muito importante que as noções básicas de Economia possam começar a ser apreendidas logo nos primeiros encontros das crianças com a Matemática. As noções da formação dos preços, com os custos de produção, de mão-de-obra e as margens de lucro, ensinadas através de actividades que as próprias crianças desenvolvem parecem-nos ser iniciativas de aplaudir. Trata-se, assim consideramos, de um tipo de ensino de aprender-fazendo que só pode ter vantagens.
Temos notado, nas últimas semanas, especialmente, que iniciativas deste género, nalgumas escolas do concelho da Mealhada, para além do aspecto pedagógico têm, também, um objectivo de angariação de fundos. Iniciativas que visam a obtenção de fundos que revertem para o Jardim-de-Infância da Mealhada, para a Escola Básica do primeiro ciclo (EB1) de Luso, para a EB1 da Mealhada, para a EB1 do Canedo, só para dar exemplos que têm merecido notícia nas páginas do Jornal da Mealhada.
Angariação de fundos para apoiar o ensino público? – poderá questionar o leitor. E a pergunta não será totalmente descabida. Acreditamos que o objectivo principal destas iniciativas será, certamente, pedagógico. Não nos choca que estas iniciativas produzam fundos que revertam a favor das escolas. Mas não será mais difícil de compreender que a escola pública, em tempos de Magalhães e de choques tecnológicos, tenha necessidade de angariar dinheiro para comprar material escolar – como nos foi dito pelos professores da EB1 de Luso, aquando da realização de um mercadito – ou para comprar impressoras – como aconteceu com a venda de doces na EB1 da Mealhada?
Nitidamente a escola pública portuguesa está sub-financiada. Conhecem-se as limitações e as consequentes ginásticas – muitas vezes penalizando o seu património pessoal – que os professores têm de operar para utilização de recursos, de materiais e até de equipamentos para possibilitar novas formas e modos mais arrojados de cumprir a sua missão de promotor da aquisição de conhecimentos, de valores, de competências, de vivências e de atitudes.
São muitas vezes os professores os primeiros a desenvolver iniciativas para angariação de fundos porque sabem que não podem estar consecutiva e exclusivamente a sobrecarregar os encarregados de educação com pedidos de dinheiro porque sabem que nem todos eles podem contribuir da mesma forma, que nem sempre vigora o princípio da equidade na distribuição dos sacrifícios se pode fazer.
Cabe a todos continuar a colaborar com estas iniciativas de angariação de fundos, mas também nos cabe exigir ao Estado o financiamento apropriado para a criação de boas condições de trabalho na sala de aula, aos agrupamentos escolares uma organização orçamental que privilegie a acção principal da sua missão educativa como prioridade em relação aos gastos da máquina da burocracia, às autarquias – Câmara Municipal e Juntas de Freguesia – um financiamento adequado no âmbito das suas competências, mas – se for preciso – para além delas, de modo a assegurar, sempre, um ensino público de qualidade.
Também a escola pública parece estar em crise. Pode achar-se que a avaliação de professores é prioritária, ou que deve incrementar-se maior exigência na avaliação dos alunos, mas nada se pode fazer de concreto, de consequente, se não forem dadas as ferramentas para a grande obra que é dar conhecimentos e competências aos portugueses.

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