Da memória
Em homenagem a Sofia Ferreira (1922 – 2010)
“Nós, jovens de hoje, provavelmente não damos tanto valor à liberdade como as pessoas que viveram na época pré-25 de Abril de 1974. Já nascemos em Democracia, nunca tivemos de lutar pela Liberdade, pela Paz, por Direitos. Para muitos de nós, este dia é apenas um feriado como os outros, tendo importância social e nacional, mas não significado pessoal. Tudo o que sabemos sobre a revolução foi-nos ensinado pela História que se conta nos livros e pelos mais velhos, professores e pais, alguns dos quais até nos dizem que se vivia melhor antes dela ter existido”. Este trecho consta do discurso que dois escuteiros da Mealhada dirigiram aos que assistiam à sessão solene do 36.º aniversário do 25 de Abril. Os ‘jovens de hoje’ têm a perfeita noção de que é difícil compreenderem a importância do 25 de Abril quando sempre viveram em Democracia. Democracia que, democraticamente, vêem ser posta em causa diariamente. E que alguns já duvidam ser a melhor forma para resolver conflitos.
Talvez fosse mais fácil se conhecessem a história de Sofia Ferreira. A história de quem começou a trabalhar aos dez anos, na agricultura. Aos doze foi servir para Lisboa e só muito mais tarde aprende a ler e a contar. Por influência de um tio e, depois das irmãs, defende um modelo de sociedade diferente do vigente. Acha que as coisas deviam ser diferentes. Não interessa, para o caso, o que defende e que alternativas preconiza. Sofia pensa de maneira diferente. Como o Estado persegue e prende os que pensam de modo diferente há pessoas que estão escondidas, que lutam na clandestinidade. Sofia começa por ajudar estas pessoas e, depois, ela própria passa para a clandestinidade. É presa, em Luso. Passa quatro anos presa sem nunca lhe dizerem por qual razão. É torturada e nunca mais poderá ser mãe. Sai da prisão e apaixona-se pelo António, que também pensa como ela. Pouco tempo depois volta a ser presa, por mais nove anos.
Sofia faz anos a 1 de Maio, mas ela diz a todos que faz a 10 de Maio, porque não a deixam receber visitas no dia dos anos, por ser Dia do Trabalhador. Sofia soube da morte do pai pelo jornal e quando pediu para ir ao funeral da mãe disseram-lhe que não. Sai da prisão, casa-se com o António e foge para um país distante.
Volta e, eis senão quando, vem o 25 de Abril e todas as pessoas que pensam diferente podem livremente defender aquilo em que acreditam sem medo de perseguição. Sofia entusiasma-se, o tempo passa e aquilo em que acredita nunca será praticado e implementado. Acusam-na de defender coisas más, criticam-na severamente. Mas Sofia continua convicta do que defende. As experiências de outros países revelam o insucesso do que defende, mas Sofia permanece firme, porque a diferença é que desta vez não precisa de se esconder, nem é presa ou torturada por pensar diferente. Pensa por si, só pensa diferente, apenas isso.
Editorial do Jornal da Mealhada de 28 de Abril de 2010
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