A cidade de Lisboa acolheu, na passada semana, mais um grande encontro internacional que ficará, certamente, para a história contemporânea. Desta vez, a capital de Portugal recebeu a cimeira bienal dos representantes dos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte – a que os portugueses preferem chamar NATO e não OTAN.
A NATO é uma aliança político-militar, criada em 1949, por forma a organizar as forças não-socialistas e anti-soviéticas no contexto da Guerra Fria. Em 1955 seria o próprio bloco soviético a criar a sua própria aliança estratégia e militar, o Pacto de Varsóvia. A NATO e os países do Pacto de Varsóvia acabaram por ser uma forma de dar volume aos dois corpos oponentes na Guerra Fria, que tinham os Estados Unidos da América e a União Soviética como cérebro e braços.
Estes dois blocos foram contemporâneos, durante várias décadas, da Organização das Nações Unidas (ONU), uma instituição promotora do desenvolvimento e da Paz mundial criada em 1945, desde o final da Segunda Guerra Mundial. Pode perguntar-se, porque razão coexistiram NATO e ONU? A ONU, quando foi criada, em 1945, constitui-se como pódio dos vencedores da Grande Guerra e na mesa do Conselho de Segurança tomaram parte os cinco vencedores, com o estatuto de membros permanentes: Os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a França, mas também a União Soviética e a República Popular da China. Ou seja, na ONU, os dois blocos oponentes (comunista e anti-comunista) tinham de sentar-se à mesma mesa. Talvez por isso o clima de tensão que se criou e que durou de 1945 a 1991, tenha sido sempre morno e nunca tenha passado de uma Guerra Fria.
Com a queda do Muro de Berlim, em Novembro de 1989, e com o desmantelamento da União Soviética, em Dezembro de 1991, a NATO perdeu o seu inimigo vital. Sem o bloco soviético, a NATO deixou de ter razão de existir. Mas a máquina era grande demais e o seu fim acabaria por poder ser tão dramático como foi o do seu oponente. A NATO entendeu, então, tornar-se uma espécie de polícia da Europa, e procurar “chamar” para o “lado bom da Força”, as antigas repúblicas soviéticas – o que desagradou profundamente aos russos.
Em 28 de Fevereiro de 1994, a NATO entra, pela primeira vez na sua história, em guerra, no conflito na Bósnia-Herzegovina, ao abrigo do que chamou “ingerência humanitária” – e que na altura foi severamente criticada. Em 1997, a NATO cria um conselho de parceria estratégia com um conjunto de antigos países soviéticos e, alguns deles, a Hungria, a República Checa e a Polónia, todos em 1999, chegam mesmo a entrar para a organização.
Todas estas movimentações, que, na prática, justificaram a injustificada existência da NATO neste período, não poderão deixar de ser entendidas como uma prolongada missão de humilhação e afrontamento da Rússia. O alargamento a leste em 2004 e em 2009, com nove adesões de antigas repúblicas socialistas e a discussão da instalação de um escudo antimíssil nessa região, intensificou um clima de hostilidade a que as personalidades de George W. Bush e Vladimir Putin não terão sido alheias.
Mas em 2001, com o ataque aos Estados Unidos e às Torres Gémeas, a NATO ganha uma nova razão para existir. A aliança ocidental estava de novo em perigo e houve a necessidade de contra-atacar o ‘agressor’. Em Outubro de 2001, à revelia da ONU, mas com o apoio da NATO, os Estados Unidos da América invadem o Afeganistão para derrubar o regime talibã que fomentava o apoio terrorista anti-ocidental. Uma nova liderança americana, de Barack Obama, mostrou-se peremptória relativamente à urgência da retirada das tropas americanas do Iraque. A retirada do Afeganistão não pode ser feita para já e a luta contra os terroristas anti-ocidentais ainda não está terminada.
A NATO passou, então, a justificar-se não pela ameaça comunista, não (apenas) pela humilhação e afrontamento à Rússia, mas pela ameaça terrorista radical anti-ocidental.
É nesta fase que os representantes da NATO se reuniram em Lisboa. Uma reunião que tinha em cima da mesa a aprovação de um novo conceito estratégico da aliança, a decisão sobre a retirada do Afeganistão e o estreitar de relações com a Rússia. Dizem os especialistas que a reunião foi um sucesso e que todos os objectivos foram largamente alcançados.
Relativamente ao novo conceito estratégico da NATO, os aliados actualizaram um documento que, aprovado em Washington em 1999, estava completamente desajustado face aos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 e da intervenção no Afeganistão. Em Lisboa, a NATO refundou-se não como força anti-comunista, mas como a aliança ocidental que se protege da ameaça radical anti-ocidental – os inimigos ficaram por identificar claramente a pedido da Turquia que não quer hostilizar o Irão. Sobre a retirada do Afeganistão, a decisão foi de a mesma estar completa em 2014.
Foi o encontro com Medvedev, presidente russo, que acabaria por tornar histórica esta cimeira de Lisboa. O inimigo vital – que até uma semana antes repudiava ferozmente a estratégia antimíssil da NATO – apareceu em Lisboa, pronto a enterrar o machado da guerra, e a declarar, até, a hipótese de a própria Rússia poder vir a aderir à NATO.
Em Lisboa, a NATO de 1949 e de 1999 foi completamente sepultada. Nasceu uma nova NATO: “Viemos a Lisboa com uma tarefa chave, que era revitalizar a nossa Aliança para estar ao nível dos desafios dos nossos tempos. Foi isso que fizemos”, declarou Barack Obama, no final da reunião.
Depois da Estratégia de Lisboa para o Emprego, da União Europeia, e do Tratado de Lisboa da União Europeia, o Conceito Estratégico de Lisboa da NATO é mais uma marca importante para o prestígio de Portugal no âmbito das relações internacionais. Portugal tem, sem dúvida, uma vocação especial para as relações diplomáticas e para o ‘concerto das Nações’.
Há coisas em que somos realmente bons. E a arte da Diplomacia é, de facto, uma dessas coisas. Note-se que até os manifestantes anti-NATO e anti-globalização, que normalmente deixam um rasto de destruição, desta vez se portaram decentemente.
Editorial do Jornal da Mealhada de 24 de Novembro de 2010
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