sexta-feira, 31 de agosto de 2012

[1523.] Idos de março

Romae, in Foro Caesaris, a.d. VII Id. Mart., hora undecima

Sentou-se nos degraus do templo a observar as obras na Cúria e, de vez em quando, levantava os olhos para as nuvens cinzentas e desfiadas que pairavam sobre a cidade.
- Não vejo hora de partir. A política romana oprime-me.
- A expedição terá os seus riscos - replicou Cílio.
- Pelo menos, estarei frente a frente com o inimigo, no campo de batalha, e terei homens em quem posso confiar ao meu lado. Aqui não sei em quem posso confiar.
- É verdade, no campo de batalha todos devem confiar uns nos outros, a vida de cada um depende disso.
- Vês esta arcada? Uma delegação do Senado encontrou-se comigo aqui há algum tempo. Para me enumerarem todas as honras que, numa só sessão, me haviam decretado. Respondi que não deviam dar-me mais honras e cargos, mas tirar-mos.
Cílio sorriu.
- Sabes o que me responderam? Que eu era um ingrato.Que não me levantara quandos eles haviam chegado, comportando-me, assim, como um deus, dado o lugar, ou como um rei. Sentado no trono sob a arcada de um templo.
- Sim ouvi dizer. Mas são coisas que não se podem evitar: qualquer gesto teu, o menor deles, mesmo que insignificante, é amplificado, é-lhe atribuído uma enorme importância. Uma importância fulcral! É o preço que qualquer homem tem de pagar pelo poder.
- Bem, a verdade é que até César tem a sua dose de misérias humanas. Sabes porque é que não me levantei? - disse num esgar. - Porque estava com diarreia. E as consequências poderiam ter sido embaraçantes.
- Ninguém acreditaria, bem sabes. De todos os modos, é com estes boatos que tentam destruir a tua imagem junto do povo, convencer toda a gente de que queres tornar-te rei.
César inclinou a cabeça e suspirou. Tinha os braços apoiados nos joelhos como um trabalhador cansado. Depois, ergueu a cabeça, fitou-o com uma expressão enigmática e disse:
- E tu acreditas nisso?
- Em quê, que queres ser rei?
- Sim. Que mais havia de ser?
Cílio, perplexo, também o fitou.

IDOS DE MARÇO
Valerio Massimo Manfredi
Porto Editora, 2011
Páginas 76 e 77, capítulo VII

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