sábado, 1 de fevereiro de 2014

[1818.] Os sinos dobram pelo rei finado…

 
Em 1890, no ano do Ultimato Inglês, Abílio Guerra Junqueiro, o grande escritor republicano e trasmontano, escrevia um poema, "O CAÇADOR  SIMÃO", que se tornou numa das mais agressivas peças da propaganda republicana. Esse poema vaticinava a morte do caçador - um dos mais conhecidos hobbies do Rei Dom Carlos - monarca que tinha Simão como um dos seus últimos nomes próprios -. Dezoito anos depois, a 1 de fevereiro de 1908, Carlos de Bragança seria assassinado pela Carbonária no Terreiro do Paço.
Profecia, desejo, premonição, sorte ou um inevitabilidade, o poema de Guerra Junqueiro tornou-se uma peça de curiosidade mítica na história de Portugal e da República. 
 
Nota curiosa, também, o facto de este poema ter sido dedicado ao médico Fialho de Almeida, que trabalhou na vila da Pampilhosa durante algum tempo, e de ter sido publicado na imprensa da época como no Globo, na Província e nos Pontos nos ii, entre outros.
 
"Logo na primeira quadra, Guerra Junqueiro, hostiliza o rei, acusando-o de indiferença, perante a agonia do seu moribundo pai, o rei D. Luís I e da dor da sua mãe, a rainha D. Maria Pia. Nas restantes quadras pode observar-se o ódio e o sentimento patriótico provocados pelo Ultimato Britânico, o qual vexou uma pátria inteira.

O ódio expresso por Guerra Junqueiro leva-o a escrever a última quadra, que se viria a revelar profética, não faltando quem a interprete como um incentivo ao regicídio (Papagaio real, diz-me, quem passa? - É alguém, é alguém que foi à caça do caçador Simão!...) [Em Simão leia-se o Rei D. Carlos]. 

O regicídio viria a ocorrer no dia  1 de Fevereiro de 1908, quando as armas de  Manuel Buiça e de  Alfredo Costa matam o Rei D. Carlos I, vindo de Vila Viçosa onde praticara a caça, e o Príncipe Real D. Luís Filipe, em pleno Terreiro do Paço." Blogue Alfobre de letras [aqui].
 
O poema na íntegra:

O CAÇADOR  SIMÃO

Jaz el-rei entrevado e moribundo
Na fortaleza lôbrega e silente…
Corta a mudez sinistra o mar profundo …
Chora a rainha desgrenhadamente …

Papagaio real, diz-me quem passa?
— É o príncipe Simão que vai à caça.

Os sinos dobram pelo rei finado …
Morte tremenda, pavoroso horror!...
Sai das almas atónitas um brado,
Um brado imenso d’amargura e dor …

Papagaio real, diz-me, quem passa?
— É el-rei D. Simão que vai à caça.

Cospe o estrangeiro afrontas assassinas
Sobre o rosto da pátria a agonizar …
Rugem nos corações fúrias leoninas,
Erguem-se as mãos crispadas para o ar!...

Papagaio real, diz-me quem passa?
— É el-rei D. Simão que vai à caça.

A Pátria é morta! A Liberdade é morta!
Noite negra sem astros, sem faróis!
Ri o estrangeiro odioso à nossa porta,
Guarda a Infâmia os sepulcros dos Heróis!

Papagaio real, diz-me, quem passa?
— É el-rei D. Simão que vai à caça.

Tiros ao longe numa luta acesa!
Rola indolentemente a multidão …
Tocam clarins de guerra a Marselheza …
Desaba um trono em súbita explosão!...

Papagaio real, diz-me, quem passa?
— É alguém, é alguém que foi à caça
Do caçador Simão!...

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