Errar é humano
Num texto de Março de 2005, José Carlos Abrantes, na época o provedor do Diário de Notícias, discorria sobre o erro e, especialmente, sobre o erro nos jornais. Errar é humano, dizia o provedor, que, por sua vez, citava Agustina Bessa-Luís, que, pelo telefone, havia admitido que os erros lhe aconteciam com regularidade e, muitas vezes, com insistente repetição. A escritora acrescentava, ainda, com a falta de humildade que se perdoa aos génios, que até os grandes compositores musicais riscavam e garatujavam as pautas manuscritas das grandes obras. Justificava, assim, os erros que, por vezes, surpreenderiam quem a lê.
Assim como Agustina Bessa-Luís se socorre do marido para lhe emendar as gralhas e os erros, também os jornais, assim aconselha o provedor do Diário de Notícias, devem munir-se de idênticos mecanismos para evitar o erro. No seu artigo, José Carlos Abrantes debruçava-se sobre a evolução dos instrumentos de combate ao erro nos jornais, desde o tempo dos revisores profissionais até à época da confiança exclusiva nos jornalistas licenciados e nas ferramentas informáticas de correcção ortográfica.
Mesmo assim, mesmo com revisores e ferramentas informáticas, os erros acontecem. Errar é humano. E os erros nem sempre são ortográficos, nem sempre são de concordância, nem sempre são gralhas com trocas de letras ou acentos ausentes, desadequados ou mal colocados. Esses erros também existem, mas são mais facilmente aceites pelo leitor. Felizmente temos diligentes e estimados leitores que nos apoiam na missão de evitar o erro e nos vão alertando para as falhas mais recorrentes nas nossas edições. Agradecemos publicamente aos que nos fazem chegar as suas notas e correcções a falhas em relação às quais fomos insensíveis ou negligentes. Mesmo sem terem disso noção, prestam um grande serviço ao jornal e às pessoas que aqui trabalham.
São falhas de outra natureza as que mais preocupam quem é responsável pela edição semanal de um jornal. Falhas de natureza técnica, a que os jornalistas são alheios — como a de paginar uma versão primitiva de uma entrevista e não a versão final revista e corrigida. Falhas no entendimento de determinada intervenção de uma personalidade política numa assembleia municipal, ou num plenário de militantes de um partido. Falhas relacionadas com escrita deficiente, com os leitores a fazerem interpretações daquilo que escrevemos que os levam a formarem ideia diferente do que é a realidade e a da intenção de quem escreveu.
E ao responsável pela edição semanal de um jornal coloca-se a pergunta: Como é que se emenda um erro destes? A lei da imprensa pode ajudar. Diz a lei que a publicação de uma rectificação tem de ser feita na mesma secção em que o erro foi publicado, com o mesmo relevo e apresentação do escrito ou da imagem que a tiver provocado. O preceito legal é o acertado, principalmente na óptica do prejudicado, mas até que ponto é possível cumpri-lo, escrupulosamente, na prática? Cumpri-lo garantindo que o defeito fica corrigido, cumpri-lo sem prejudicar a boa imagem, o bom nome, do jornal?
Deparou-se-nos este problema algumas vezes ao longo dos quatro anos em que dirigimos o Jornal da Mealhada. E o critério que temos seguido é o do respeito criterioso pela solução apontada na lei. Fazemo-lo esta semana, com a republicação, integral, da entrevista ao presidente da direcção da ACIM, nas páginas 8 e 9. Como também o fizemos na edição de 17 de Dezembro de 2008, rectificando, na primeira página, um título publicado na semana anterior cuja informação estava deturpada.
Nem todos os jornais portugueses têm este entendimento escrupuloso. Nós próprios reconhecemos que é radical e nem sempre garante o efeito pretendido, nem um eventual direito ao erro e ao engano. Mas aceitamo-lo. Aliás, adoptamo-lo e praticamo-lo sempre que necessário. Não por medo das consequências legais, não por medo dos ralhetes da Entidade Reguladora da Comunicação Social. Fazemo-lo por uma questão de honestidade, de lealdade em vários sentidos e, também, de afirmação de credibilidade. Acreditamos que o leitor que nos vê reconhecer e corrigir um erro acreditará mais facilmente no rigor do nosso trabalho. Mesmo conscientes de que fornecemos argumento aos críticos, acreditamos que, reconhecendo e corrigindo as nossas falhas, estamos a servir a Verdade, com sentido de responsabilidade e com coerência.
Editorial do Jornal da Mealhada de 28 de Janeiro de 2009
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