terça-feira, 1 de junho de 2010

[1056.] Marti dies

"Aquarela"

Toquinho

Hoje é Dia Mundial do LEITE, Dia Mundial do CIGANO, Dia Nacional do SOBREIRO e da CORTIÇA, mas nunca deixará de ser conhecido como o Dia Mundial da Criança.

Não é comum a todo o mundo e 20 de Novembro até é dado na ONU como sendo o Dia Universal da Criança - por ter sido nesta data, em 1959, que foi aprovada a Declaração dos Direitos da Criança. E a este propósito tanto haveria para dizer.

Faço parte da comissão alargada da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens - que antigamente levava 'em risco' e agora já não - do concelho da Mealhada. E, até porque trabalho com crianças enquanto dirigente de uma associação escutista, tenho frequentemente participado no debate sobre a avaliação da maneira de ser e de estar das crianças de hoje. Quem me conhece sabe que não sou um pessimista, mas, mesmo assim, garanto que o resultado da reflexão não tem sido animador.

Não pelas crianças em si, porque essas continuam filhotes de homem, cheios de instintos e potencialidades, assim sejam alimentados, acarinhados, estimulados e educados. Falo, naturalmente, pela sociedade onde as inserimos.

Têm pais que os fazem nascer (ou não) não porque tenham condições para isso, mas para sua auto-satisfação. Isto nem é muito negativo, não fosse o facto de, passado o encantamento inicial, a criança passar a ser o empecilho de que não se haviam lembrado. E passar a ser tratado como tal, como um empecilho, que bloqueou a carreira, que não permite ir de férias, que chora e caga, etc, etc. Nalguns sectores da sociedade portuguesa, a criança é um meio instrumental de alcançar subsídios - e aí quantos mais melhores.

Em caso de conflito, os tribunais portugueses andam com o péssimo hábito de privilegiar o acolhimento pelas familias biológicas do que o acolhimento e institucionalização das crianças. Nada contra, não fosse o facto de muitas vezes serem essas familias os agressores e os causadores dos problemas. Por muito que nos custe admitir isto, há crianças que estão muito melhor em instituições do que na casa de familiares biológicos, que os ignoram e que não lhes dão acesso a bens fundamentais como a atenção ou o carinho. Há casos bem perto, na nossa região, de duas crianças que morreram depois de terem sido devolvidas aos pais biológicos.

Mas não se pense que estou a falar de meia-duzia de coitadinhos de familias problemáticas. A agressão que a sociedade portuguesa induz nas crianças portuguesas é generalizada.

Colocar uma criança numa escola das 9h às 17 horas é um crime. Muitas vezes confinando esta criança a uma sala, um corredor e parte de um recreio. Recreio esse que é rodeado por um gradeamento inviolável (não sei como ainda não se lembraram de o electrificar). Em dias de chuva a parte do recreio até é eliminada. Muitas destas crianças saem às 17 horas e ainda vão para ATL até às 19h, altura em que regressam ao apartamento a que chamam casa.

As crianças portuguesas estão cada vez mais violentas? Quem as pode criticar, se vivem presas? A escola até pode ser boa, com o recreio alcatifado, com biblioteca, com aulas de educação física e de cidadania, e o ATL até pode ter playstation... Mas não deixa de ser uma prisão. Impedimos as nossas crianças de ir a pé para a escola, de terem aventuras 'maradas' no caminho para a escola, como os seus pais tiveram, de esfolar os joelhos ou partir a cabeça aos colegas.

Queremos manter as nossas crianças domadas, presas e dóceis. E isto é uma violência incomensurável.

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