quarta-feira, 12 de setembro de 2012

[1526.] Mercurii dies em submersas divagações de Esperança

D'existir
 
Na mesma semana, Adriano Moreira - histórico e nonagenário senador da República - enunciou o perigo de uma "fadiga fiscal" nos cidadãos contribuintes, e o chefe do Governo, Pedro Passos Coelho, no epílogo da quinta avaliação da troika, anunciou as medidas que visam compensar o chumbo do Tribunal Constitucional quanto aos cortes de subsídios de Natal e de Férias. A contradição entre os dois discursos é total e absoluta. Entre outras medidas, o primeiro-ministro informou que os portugueses vão passar a descontar do seu salário uma maior fatia para a Segurança Social. Ou seja, vão ter menos dinheiro disponível no seu rendimento efectivo.

O discurso do chefe do Governo foi pelo próprio "esmiuçado" no Facebook... e confessada a alegada "tristeza" que sentiu ao proferi-lo.

A crise económica e financeira que a Europa atravessa está a ensinar-nos que é grande a distância entre os discursos políticos que se proferem e os discursos que os políticos gostariam de proferir. A verdade não pode ser toda dita, por que se não os mercados reagem e as pessoas entram em colapso, em desespero. Mas não se pode mentir, porque isso traz problemas de credibilidade perante os financiadores. O dilema não podem deixar de ser visto como terrível. Não acreditamos que os políticos gostem de dar más notícias, antes pelo contrário, pelo que, com mais ou menos sinceridade, não consta que masoquismo seja característica dos políticos hodiernos.


Vivemos tempos complexos, e estamos enleados numa teia de que não nos apercebemos. Como um nadador inconsciente, estamos no meio do canal e não nos resta mais nada senão nadar. Podemos nadar para a frente, ou nadar para trás. É exactamente a mesma coisa... Achamos que já não temos mais forças, mas não temos alternativa. Estamos convencidos de que não vamos aguentar mais, mas só nos resta nadar. Não há ajudas, não há salva-vidas, podemos parar e boiar durante um bocado para descansar, mas não dá para sair dali.

Não vale a pena pensar no que poderia ser diferente. Portugal, neste momento, não tem outra solução se não continuar a nadar. Nestes momentos pode pensar-se em desistir. E afogarmo-nos. Mas nem isso resolve nada, porque continuaremos cada vez pior. Podemos gritar por ajuda, e fazer chantagens... mas isso só nos faz perder energias.

Não sabemos se falta muito para chegar a terra, falta o que faltar. Não há hipótese de desistir, só uma alternativa nos resta e essa é a de existir. Continuaremos a existir. Teremos de continuar a lutar, teremos de continuar a fazer sacríficios, teremos de continuar a sofrer e a prescindir dos sonhos mais ambiciosos. Temos maus políticos? Temos. Fizemos más opções? Fizemos! Falhámos em muitas escolhas? Claramente. Mas não há hipótese de sair daqui. Podemos emigrar, mas o mundo todo está em crise. Podemo-nos revoltar e linchar os responsáveis, mas não vai ser esse sangue que nos vai alimentar e saciar a fome que já se vive.

No final fazemos contas.

No final faremos os julgamentos e condenaremos os responsáveis.

É escuro o cenário? É, de facto. Estaremos a ser pessismistas? Não, antes peloc ontrário: Não é pessimismo reconhecer que estamos mal. Não é pessimismo observar que não temos outra alternativa. É clarividência. E muita esperança. Muita Esperança no futuro, muita esperança nos que virão depois de nós e com o nosso testemunho e a nossa memória não repetirão os erros do passado e não se abalançarão a atravessar o canal sem pensar no que vai custar.

Editorial do Jornal da Mealhada de 12 de setembro de 2012
 

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