quarta-feira, 11 de novembro de 2009

[887.] Mercurii dies

O Muro caiu há 20 anos

O Muro de Berlim caiu há vinte anos. Na madrugada de 9 para 10 de Novembro de 1989 caiu uma das grandes barreiras físicas – e também psicológicas – da história da humanidade. Cento e cinquenta e cinco quilómetros de um muro que dividia a cidade de Berlim, que dividia a Alemanha, que dividia um continente e o mundo em dois blocos que travavam um com o outro a Guerra Fria, estratégica, de movimentos calculados e restrições mútuas.
Assistimos à queda do muro sem nos apercebermos do que estava a acontecer, como já tínhamos assistido a muitos dos acontecimentos que se revelaram como sendo cruciais e impulsionadores dos outros que contribuíram para o fim de uma era.
No final da Segunda Guerra Mundial os vencedores (União Soviética, Grã-Bretanha, França e Estados Unidos da América) dividiram Berlim e a Alemanha. As zonas adstritas à Grã-Bretanha, à França e aos Estados Unidos da América tornam-se na República Federal da Alemanha. A zona sob administração soviética, em 1949, transforma-se na República Democrática da Alemanha – e tornou-se um país satélite da União Soviética. Com o seguir do curso da história, a fronteira entre a RDA e a RFA prolonga-se e torna-se muito mais do que a fronteira entre estes dois países. Passa a ser uma Cortina de Ferro (como lhe viria a chamar Winston Churchill), que separa dois blocos políticos fortíssimos. De um lado está o bloco soviético, um conjunto de países, unido pelo Pacto de Varsóvia, onde é aplicado um sistema político marxista-leninista, com a União Soviética como potência hegemónica. Do outro lado fica uma Europa que procura ressuscitar das cinzas. Que tem os Estados Unidos da América como protector e patrocinador mais importante, onde são implantados uma economia de mercado e sistemas políticos que não eram, de modo nenhum, marxistas-leninistas.
A fronteira dividia, também, dois estilos de vida. Dividia duas concepções de felicidade. Dividia duas maneiras antagónicas de pensar a humanidade e o papel do Homem e da sociedade, e muitas foram as pessoas que a atravessaram a fronteira do lado oriental para o lado ocidental. No princípio da década de 1960, a Europa Ocidental dava os primeiros passos na criação de uma união económica que mais tarde se tornaria um mercado comum de dimensões extraordinárias. Em pouco mais de dez anos, 3 milhões de alemães passaram a fronteira do Oriente para o Ocidente. Só nas duas primeiras semanas de Agosto de 1961, passaram 47 mil pessoas. Para travar o êxodo a caminho do capitalismo (e da liberdade), a RDA, em 13 de Agosto de 1961, começa a construir uma barreira, com uma vedação de arame farpado, mas, em pouco tempo, é já um portentoso muro, uma intransponível muralha de 155 quilómetros, reforçada em 1966, em 1968 e em 1976.
O caminho histórico do lado ocidental é conhecido, e acaba por ser, de certa forma, a nossa própria história. Torna-se mais difícil identificar – de forma científica – o que pode ter sido decisivo para o desmoronar do bloco soviético. Começaríamos por apontar – a escolha tem muito de pessoal e subjectivo – a eleição do polaco Karol Woitila, para chefe da Igreja Católica, em 1978, o que constituiu uma afronta para Moscovo. Ainda na Polónia, em 1980, o nascimento da organização sindical Solidariedade, liderada por Lech Walesa, foi outro factor importante para a queda do Muro. Nove anos depois, em Junho de 1989, numa espécie de eleições semi-abertas à participação de outras forças políticas para além do Partido Comunista Polaco, o Solidariedade torna-se a principal força política da Polónia, contribuindo, assim, para o aceleramento do processo da queda do regime comunista na Polónia. Helmut Kohl, o chanceler da RFA foi o grande obreiro de um desenvolvimento que contribuiu para que se tornassem bem visíveis as diferenças entre as duas Alemanhas, soube ser um fiel amigo de Walesa e o timoneiro da reunificação do seu país. Também Gorbatchov, o líder da União Soviética, terá tido um papel relevante em todo este processo. Por acção e por omissão. Procurava modernizar a URSS, e acabou por provocar a modernização de todo o Bloco de Leste. Também é herói o soldado que prefere não premir o gatilho e não intensificar a batalha, quando o poderia fazer.
Em Maio de 1989, uma pequena “brecha” na cortina de ferro, entre a Hungria e a Áustria, levou a que milhares de pessoas – e entre eles muitos alemães de Leste – tenham fugido por lá para o Ocidente. A população da RDA sai à rua e exige liberdade de movimentos, o direito a viajar, eleições livres, liberdade política (como na Polónia). O Governo acaba por ceder e determina a autorização da liberdade de circulação da RDA para a RFA, mediante visto. Numa entrevista paralela ao decorrer de uma reunião do Comité Central do Partido Comunista da RDA, Günter Schabowski, o porta-voz do Governo, divulga a informação, e, erradamente, informa que a determinação tem efeitos imediatos.
Horas depois, os postos fronteiriços têm milhares de pessoas a querer passar. Os guardas ouviram o mesmo que os restantes alemães de Leste e começam a deixar passar as pessoas sem restrições. Pouco tempo depois, as picaretas começam a destruir o muro. No dia seguinte o êxtase instalou-se e o muro caiu, definitivamente.
Os dias seguintes seriam de grande mudança – ao som do tema musical ‘Winds of Change’ dos Scorpions.
O lado capitalista da Europa, que era já uma grande Comunidade Económica, abriu os braços à RDA, e depois à Polónia, à República Checa e a tantos outros estados que estavam do outro lado do muro.
Hoje quase não se notam as diferenças? Continuam a notar-se, porque o desenvolvimento de 20 anos de economia de mercado não homogeneizou uma Alemanha que vive a duas velocidades. E há alemães de Leste que dizem ser tomados como cidadãos de segunda categoria. As consequências de quarenta e quatro anos de separação certamente que não se diluem em quase vinte anos de reunificação. Certamente não se acentuarão. Pelo menos isso. Assim pensamos.
Outros muros se levantaram desde 1989. O muro de Berlim era o muro da vergonha mas há outros muros e outras vergonhas. Tranquiliza-nos a moral da metáfora que Kohl terá apresentado um dia a Gorbatchov. “A ânsia de liberdade dos homens é como um grande rio. Pode até erguer-se um dique ou uma barragem para o travar, mas o rio encontrará sempre uma forma de ultrapassar o obstáculo e chegar à foz!”

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